8 de março: no mês da mulher, luta contra a violência é pauta prioritária
Pesquisadora Amanda Lagreca, pesquisadora do Fórum de Segurança Pública, graduada e mestranda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, concedeu uma entrevista ao Jornal da Assprom, na qual abordou o feminicídio e falou sobre os riscos, causas, penalidades e a conscientização do crime durante o mês da mulher
JORNAL DA ASSPROM: O que se caracteriza como feminicídio? Por que o termo é importante para o direito penal?
AMANDA LAGRECA: O feminicídio foi tipificado no código penal em março de 2015, ou seja, é uma lei que existe há oito anos. De acordo com o código penal, o feminicídio ocorre quando uma mulher é assassinada por razões relacionadas à sua condição de gênero. Isso é considerado quando o crime envolve violência doméstica e familiar e demonstra discriminação de gênero contra a mulher.
O termo feminicídio é importante para o direito penal, principalmente porque estamos lidando com um crime de ódio direcionado especificamente às mulheres, motivado pela sua condição de gênero. É fundamental ter uma tipificação específica para poder diagnosticar adequadamente a situação de violência contra as mulheres em nosso país. Isso permite o desenvolvimento de políticas públicas e ações efetivas para combater esse crime e implementar medidas de prevenção, entre outros aspectos necessários.
JORNAL DA ASSPROM: Como o feminicídio impacta na sociedade brasileira? Quais são os índices? Houve aumento dos casos do último trimestre de 2022 para o início de 2023?
AMANDA LAGRECA: O feminicídio é a parte mais visível e cruel da violência contra as mulheres, pois resulta em morte, mas não é a única forma de violência que elas enfrentam. Quando publicamos pesquisas sobre a vitimização visível e invisível das mulheres no Brasil, nosso objetivo é mostrar que a violência de gênero se manifesta de várias maneiras, incluindo violência física, sexual, moral, patrimonial, entre outras, além do feminicídio. O feminicídio é uma forma simbólica da brutalidade dessa violência, mas não é a única.
Em relação aos dados de feminicídio, o Monitor da Violência, que é uma parceria entre o G1, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o NEVE, publicou recentemente, em 8 de março, os números de feminicídios de 2022, e o que vemos é um recorde no país. Foram registradas 1410 mulheres mortas como vítimas de feminicídio. Não temos ainda dados atualizados para o início de 2023 para comparar, mas é preocupante o aumento dos casos de feminicídio no Brasil. Isso reforça a necessidade de ações efetivas para combater a violência de gênero e proteger as mulheres em nossa sociedade.
JORNAL DA ASSPROM: A violência contra a mulher é uma realidade que afeta em maior número as mulheres negras. Por exemplo, enquanto o número de homicídios de mulheres brancas caiu nos últimos anos, o de mulheres negras aumentou, segundo dados do Mapa da Violência. A que você acha que se deve isso?
AMANDA LAGRECA: A violência contra as mulheres negras é ainda mais brutal do que contra as mulheres brancas. Costumamos dizer que a violência de gênero é uma violência que afeta todas as mulheres, porém algumas são mais afetadas do que outras, e as mulheres negras são um grupo especialmente vulnerável. De acordo com os dados mais recentes disponíveis, referentes a 2021, 62% das vítimas de feminicídio eram mulheres negras, enquanto 37,5% eram mulheres brancas. Nas demais mortes violentas intencionais, também observamos que a maioria das vítimas são negras.
Existem diversos fatores que contribuem para essa realidade, mas é importante destacar que a sociedade brasileira é marcada por uma profunda misoginia e racismo. Os índices de violência contra as mulheres e a população negra são reflexos dessas estruturas sociais. Por exemplo, quando analisamos as mortes decorrentes de intervenções policiais, a maioria das vítimas são pessoas negras, e o cenário não é diferente quando se trata da violência contra as mulheres. As mulheres negras enfrentam uma dupla discriminação, sofrendo tanto violência de gênero quanto racismo, o que as torna ainda mais vulneráveis, apesar de todas as mulheres enfrentarem algum grau de violência na sociedade.
É fundamental combater o racismo e a misoginia de forma interseccional, reconhecendo que as mulheres negras são especialmente afetadas pela violência de gênero, e adotar políticas e ações efetivas para proteger e promover os direitos dessas mulheres, bem como de todas as mulheres em nossa sociedade.
JORNAL DA ASSPROM: O que fazer em caso de violência? Existem medidas para proteger as mulheres vítimas de violência doméstica?
AMANDA LAGRECA: Quando testemunhamos um caso de violência, é importante procurar as instituições responsáveis. Isso inclui as delegacias, delegacias da mulher, quando disponíveis nas cidades, bem como outras instituições fora da área de segurança pública, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), além de buscar a rede de proteção disponível nos municípios e cidades brasileiras, para que sejam tomadas as devidas providências. O primeiro passo é acolher a mulher em situação de vulnerabilidade, pois ela foi vítima de violência, e encaminhá-la, se necessário, a outros equipamentos, como hospitais ou outros serviços, a fim de garantir sua segurança. É importante também buscar medidas protetivas, como registro de boletim de ocorrência em delegacia, e utilizar os serviços públicos e políticas públicas disponíveis. Qualquer pessoa que presencie um caso de violência pode fazer a denúncia, mas geralmente a vítima é quem possui informações mais detalhadas sobre a violência sofrida, inclusive em casos de agressão física ou sexual, nos quais exames podem ser necessários para dar seguimento ao boletim de ocorrência ou a outras investigações que sejam requeridas.
JORNAL DA ASSPROM: De acordo com o Código Penal, quais são as penalidades para o crime de feminicídio?
AMANDA LAGRECA: Em relação às penalidades para os autores do crime de feminicídio, a Lei nº 13.104 incluiu o feminicídio no Código Penal como uma qualificadora do crime de homicídio, tornando-o um crime hediondo. Portanto, aqueles que cometem o crime de feminicídio, ou seja, agressores de mulheres, estão sujeitos às penalidades previstas para o crime de homicídio hediondo, com a qualificadora do feminicídio, conforme estabelecido pela lei.
JORNAL DA ASSPROM: O que as pessoas podem fazer para ajudar a mudar essa realidade de violência?
AMANDA LAGRECA: Em 2022, foram registrados 14 casos de mulheres agredidas por minuto, seja por ofensas verbais, chutes, socos, espancamentos, ameaças com armas de fogo ou violência sexual. Essa violência ocorre principalmente no âmbito doméstico, perpetrada pelo parceiro íntimo. Como sociedade, precisamos compreender esses dados e falar abertamente sobre essa realidade. É crucial denunciar casos de violência e conscientizar as pessoas sobre o tema. Devemos fornecer recursos para que as mulheres possam fazer denúncias e receber o devido acolhimento. Além disso, os gestores públicos têm um papel importante em colocar a violência contra as mulheres na agenda de políticas públicas, visando combater efetivamente esse problema e construir uma sociedade mais segura para todas as mulheres e para toda a sociedade, pois uma sociedade violenta não pode garantir direitos básicos e bem-estar para seus cidadãos.
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