Márcio Rogério, promotor da infância e juventude, fala sobre os 28 anos do ECA
O promotor de justiça, Márcio Rogério, da Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público de Minas Gerais, em entrevista ao site da Assprom, aborda a eficácia do ECA na garantia de direitos das crianças e adolescentes.
Em julho, completamos 28 anos da promulgação do ECA. É uma data para ser celebrada?
Como o senhor vê a efetividade do Estatuto nestas quase três décadas de existência?
É, sem dúvida, uma data para ser celebrada. Algumas mudanças de paradigmas, como, por exemplo, poder tratar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não como objeto de intervenção do adulto e do Estado, já foi um grande passo e um grande avanço. Ainda posso citar, a adoção da doutrina da proteção integral; os novos instrumentos de promoção e defesa de direitos de crianças e adolescentes, como os Conselhos Tutelares; a reformulação do papel do Poder Judiciário; a tutela de cunho coletivo pelas instituições legitimadas, dentre elas o Ministério Público e a possibilidade de participação democrática da população na formulação e controle das políticas, por meio dos conselhos de direitos. Então, houve, sim, muitos avanços. Cabe lembrar, também, sobre a separação dos atendimentos protetivo e socioeducativo. Agora, há uma política para o adolescente autor de ato infracional específica, e outra política de atendimento para a criança e o adolescente em situação de risco social. Ainda temos uma série de ações representativas, citei apenas algumas. Então, essa é uma data para se comemorar sim.
O que precisa ser melhorado na aplicação do ECA?
Há um atraso muito grande na implementação de certos dispositivos e, até mesmo, de políticas completas. A política de atendimento socioeducativa, prevista no Estatuto, não foi implementada em sua plenitude. Hoje, não há sequer condição de fazer uma avaliação eficaz da proposta de política de atendimento socioeducativa prevista no Estatuto. Por exemplo, não há projetos pedagógicos, não existe uma estrutura e a rede de unidades é insuficiente para atender a demanda por vagas, principalmente nas medidas restritivas de liberdade. A compreensão sobre as medidas de meio aberto ainda é bastante cercada de equívocos, portanto, há muita coisa para ser melhorada. Faltam varas da infância e da juventude em muitas comarcas de Minas Gerais. Além disso, faltam equipes técnicas para dar suporte à atuação dos juízes. Após 28 anos, poderíamos estar numa situação muito melhor. Pois, o Estatuto é uma proposta muito interessante e não perde em nada para o que há de mais atual e avançado nas leis internacionais de direitos humanos para crianças e adolescentes.
Em relação ao atual momento do Brasil, qual a sua percepção
sobre os direitos das crianças e dos adolescentes?
Acredito que a sociedade e todas as instituições que fazem parte do sistema de garantia de direitos devem manter uma vigilância constante junto ao Congresso Nacional e aos poderes executivos (municipais, estaduais e federal) porque, a todo o momento, há tentativas de retorno a práticas antigas já superadas e sobre as quais já existe um consenso de que eram inadequadas. A vigilância precisa ser constante. Há várias propostas, que podem acarretar retrocessos, tramitando no Congresso Nacional. Um exemplo recente foi a proposta de inclusão do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) no Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Mas foi evitado, graças a uma grande mobilização, e a Presidência da República acabou vetando essa parte. Então, temos que ficar em vigilância permanente.
Qual é o principal desafio em relação à elaboração de políticas
públicas que sigam os preceitos estipulados pelo ECA?
O primeiro desafio é fazer com que os gestores públicos obedeçam à regra de prioridade absoluta da criança e do adolescente, estabelecida no art. 227 da Constituição Federal e que, conforme instituído no art. 4 do Estatuto, busquem destinar recursos privilegiados para as políticas de atenção à infância e à juventude. Ou seja, é preciso que os gestores respeitem a regra de prioridade e isso ainda não é respeitado. Quando se conseguir fazer com que o princípio da prioridade saia do papel e se projete em ações práticas, aí sim muita coisa vai melhorar.
Em sua opinião, o que cada um de nós pode fazer pela
proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes?
Cada um de nós deve olhar cada criança e adolescente como se fosse um filho. Todo aquele que estiver em situação ou sobre ameaça de violação de direitos, precisa ser acolhido. Não podemos ficar inertes ou deixar de fazer alguma coisa. É preciso que, como cidadãos, lutemos por melhores escolas e creches, melhor atendimento à saúde, que se faça uma política adequada de atendimento socioeducativo, que os conselhos tutelares se tornem bem estruturados e que os conselhos de direitos funcionem efetivamente. Tudo isso sempre pensando em todas as crianças e adolescentes. Sejam elas ricas, pobres, brancas, negras ou pardas, sejam meninos ou meninas, sejam LGBTQ+. Acho que este seria um bom princípio.
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